Novas progressões têm corte que chega aos 66% em 2019

O calendário de pagamento das progressões do próximo ano implica, na prática, que os funcionários percam até 66% do valor a que teriam direito a receber ao longo de 2019. É o que prevê a primeira proposta que foi apresentada aos sindicatos.

Não é só uma questão de tempo, é sobretudo uma questão de dinheiro. O pagamento faseado que o Governo quer aplicar às novas progressões da Função Pública, previsto na proposta apresentada na semana passada aos sindicatos, implica um corte efectivo: um funcionário com direito a progredir a 1 de Janeiro recebe ao longo de 2019 menos 66% do que o que receberia se não houvesse qualquer faseamento.

Este travão à despesa com as novas progressões repete a estratégia utilizada este ano. A proposta do Governo, que ainda pode ser alterada, prevê que as progressões relativas a direitos adquiridos em 2019 sejam apenas parcialmente pagas: 25% de Janeiro a Agosto e 50% a partir de Setembro. Fica prometido o pagamento de 75% a partir de Maio de 2020 e de 100% a partir de Dezembro de 2020, sem juros ou retroactivos.

Cálculos do Negócios sobre o impacto em 2019, que é o que ficará definido no próximo orçamento, revelam que um funcionário que ganhe a 1 de Janeiro direito a uma progressão de 100 euros receberia sem qualquer corte 1.400 euros ao longo do ano. Com a proposta que está em cima da mesa recebe apenas 475 euros, ou seja, menos de um terço do valor a que teria direito, já considerando as regras dos subsídios de férias e de Natal.

Estes valores aplicam-se a quem progride logo a 1 de Janeiro. No caso das carreiras em que a progressão depende essencialmente do tempo, como a dos professores, e que pode ocorrer em qualquer momento do ano, a perda será proporcionalmente menor porque é no início do ano que se perde mais.

Governo não revela o que poupa

Confrontado com estes cálculos, o Ministério das Finanças respondeu que não iria comentar.  O Negócios também perguntou qual a poupança obtida com o faseamento das progressões, que só se poderá calcular com o calendário relativo a todos os funcionários, mas não obteve resposta a esta questão.

O Ministério das Finanças, que tem dito que só tem  50 milhões de euros para actualizações de salários – a medida que tem recebido mais atenção – também não esclarece se o custo de 497 milhões de euros com progressões que estimava a 5 de Setembro, antes da apresentação da primeira proposta, já tinha em conta este faseamento.

Tudo o que diz respeito a 2020 terá de ser confirmado no orçamento elaborado daqui a um ano, que também depende das eleições. Se for consagrado o calendário que o Governo agora anuncia o mesmo funcionário que tem direito a progredir a 1 de Janeiro recebe de forma acumulada 1.450 euros  ao longo dos dois anos, em vez de 2.800 euros. É uma redução maior em termos absolutos (1350 euros), mas menor em proporção (48%), uma vez que as percentagens de pagamento das progressões vão subindo.

Faseamento podia ser mais suave

Pode o Governo argumentar que a eliminação completa dos cortes nas progressões, conjugada com o calendário que anunciou no ano passado, criaria situações de injustiça relativa, uma vez que isso resultaria em progressões de 2018 pagas a 50% em Janeiro quando as de 2019 já seriam pagas a 100%. Mas a proposta poderia eventualmente acompanhar o calendário inicial (50% em Janeiro, 75% em Maio e 100% em Dezembro de 2019, também para as progressões de 2019). Nesse cenário, que o Governo não assumiu, o corte relativo às novas progressões baixaria para 30% ao longo de 2019 e para 15% até ao final de 2020.

O travão às novas progressões foi uma surpresas, até por ser aplicado pelo segundo ano consecutivo, enquadrado no discurso da "progressiva" retoma da "normalidade".

Até quando é que as progressões serão pagas com cortes? O Governo dá a entender que não será para sempre. Em declarações ao Público, este sábado, Mário Centeno referiu que a expectativa é que "os faseamentos deixem de ser necessários" no final de 2020, até porque o ciclo avaliativo que então termina, gerando direito a novas progressões, só terá efeitos em 2021.

Reuniões adiadas para amanhã

Os sindicatos da Função Pública saíram do último encontro no Ministério das Finanças convencidos de que a próxima reunião seria esta quarta-feira, mas as reuniões foram adiadas por um dia, já depois de os deputados do PCP e do Bloco de Esquerda terem revelado que não há acordo quanto aos aumentos salariais.

"Surpreende-nos um pouco a forma como tem sido gerido este processo. Tem havido vários recados para condicionar o posicionamento das organizações sindicais e isso não esperávamos deste Governo", comenta Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), referindo que o Executivo está a tentar voltar trabalhadores do público contra os privado. "Espero que o adiamento da reunião signifique que o Governo está a preparar uma proposta com aumentos salariais para todo os trabalhadores. Se assim não for avançamentos para greve", afirma José Abraão, secretário-geral da Fesap.

Jornal de Negócios 09.10.2018