MOISÉS DE LEMOS MARTINS
Director do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho
publico.pt


São conhecidos os resultados do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual. A FCT atribuiu contratos de trabalho a 500 investigadores. A imprensa destacou o facto de terem ficado de fora a historiadora Irene Pimentel, uma consagrada estudiosa do Estado Novo, e a cientista Maria Manuel Mota, grande especialista do estudo da malária.

Passados três anos desde a tomada de posse do Governo de António Costa, a FCT mantém-se igual a si mesma, uma fortaleza vazia, opaca e intrigante. Sem uma ideia nacional e servindo interesses duvidosos, a FCT continua a matar áreas científicas e unidades de investigação que entende não serem prioritárias.

Mudam os governos e os ministros. Mas a FCT permanece vazia de critério e vazia de valores. Ou seja, é imprestável para servir uma política científica consistente e nacional.

Vou colocar algumas questões, a partir das Ciências da Comunicação.

Por que razão neste concurso as Ciências da Comunicação não tiveram um painel de avaliação específico? Nas Ciências Sociais e Humanidades (CSH) houve painéis específicos para Sociologia, História e Arqueologia, Línguas e Literatura, e Artes e Humanidades. As Ciências da Comunicação integraram um painel de avaliação com a Ciência Política e o Direito.

Quem fixou os painéis das áreas para avaliação? E que critérios utilizou?

O Conselho Científico de CSH da FCT foi chamado a pronunciar-se? A comunidade académica de Ciências da Comunicação, através da sua estrutura de representação, a SOPCOM – Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, foi consultada?

Foram 11 os investigadores que constituíram o painel de avaliação de “Média e Comunicação, Direito e Ciência Política”, para um número igual de contratos de investigação atribuídos. Cinco avaliadores foram da Ciência Política; dois do Direito; dois das Ciências da Comunicação; havendo outros dois que cruzam as Ciências da Comunicação com a Filosofia e a Religião. E os 11 contratos de trabalho foram atribuídos da seguinte maneira: oito à Ciência Política; dois ao Direito; e um às Ciências da Comunicação. Em 11 contratos, seis foram para Lisboa (três dos quais para o ICS da Universidade de Lisboa), e três para o CES, da Universidade de Coimbra.

O investigador que mereceu o contrato de trabalho nas Ciências da Comunicação é licenciado e mestre em Biologia, e doutor em Engenharia Ambiental. Vai trabalhar em Lisboa, no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, em Comunicação da Ciência Marinha.

Os avaliadores do painel “Média e Comunicação, Direito e Ciência Política” são dos seguintes países: Áustria, Dinamarca e Irlanda, cada um com dois elementos; e com um elemento, Polónia, Inglaterra, Escócia, Alemanha e Suécia.

É um caso verdadeiramente excecional, porque não corresponde à constituição de nenhum outro painel de avaliação dos 25 que dão conta de todas as áreas científicas. Em 11 elementos, nenhum é espanhol, francês, italiano, belga ou brasileiro, quando todos os painéis têm, no mínimo, um elemento de um destes países, e geralmente vários.

Exemplos. Em Sociologia, com um painel de nove elementos, existe um espanhol, dois franceses e um belga de expressão francesa. Foram atribuídos 14 contratos, dos quais 11 ficaram em Lisboa (quatro no ICS, cinco no ISCTE, dois na UNL). Em Línguas e Literatura, que é um painel de oito elementos, existe um espanhol e um francês. E no painel de Engenharia Eletrónica e da Informação, que tem dez elementos, encontramos quatro espanhóis e três italianos.

Coloco algumas interrogações.

1. As Ciências da Comunicação são, em Portugal, uma área científica, que definiu com clareza uma política da língua, da ciência e da comunicação, virada para os espaços lusófono, latino e ibero-americano. Mas alguém decidiu na FCT escolher um painel com investigadores que desconhecem o que seja a comunidade portuguesa de Ciências da Comunicação e as suas opções de política científica.

As Ciências da Comunicação criaram, em 1998, a Federação Lusófona de Ciências de Comunicação (LUSOCOM), que realizou dezenas de Congressos lusófonos. E criaram também a Confederação Ibero-americana de Ciências da Comunicação (Confibercom), tendo realizado vários Congressos. Mas esta circunstância não fecha a área num gueto. O Congresso Mundial de Ciências da Comunicação (IAMCR) realizou-se em Portugal, em 2010. E também se realizou em Portugal, em 2014, o Congresso Europeu (ECREA), que de novo volta a reunir-se em Portugal, em 2020.

2. Outras questões. É pelo facto de as Ciências da Comunicação não terem centros de excelência em Lisboa, mas apenas um no Minho, que não lhes são atribuídos contratos de investigação? Relembro que à Sociologia foram atribuídos 14 contratos. E é também pela mesma razão que todos os investigadores propostos pelo CECS foram reprovados?

Volto ao Conselho Científico de CSH da FCT. Que tarefas são, hoje, as suas? Em princípio, deveria aconselhar o Governo nas políticas científicas. Mas que políticas pode propor, se praticamente não se reúne? E que sentido tem um Conselho desta natureza ser presidido por um professor auxiliar, o que significa um presidente diminuído em autoridade académica e sem o reconhecimento dos pares?

Em 2010, o Conselho Científico das CSH da FCT era presidido pelo professor José Mattoso. E elaborou em 2011 um programa estratégico, de aplicação até 2020, para o desenvolvimento e a consolidação desta vasta área científica, em torno de uma agenda com vários tópicos: internacionalização, pluralismo, pluridisciplinaridade, avaliação, disseminação do conhecimento.

Para o elaborar, reuniu-se, ao longo de 2011, com os responsáveis das 132 unidades desta área transdisciplinar, o que nunca havia acontecido na história da FCT, e continuou a não acontecer com os Conselhos que se lhe seguiram.

O que é que foi feito desse relatório?

Relembro algumas das recomendações aí feitas. Aceitar o Português e o Espanhol, a par do Inglês, como línguas de publicação. Promover a cooperação científica com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, os países da bacia mediterrânica e os países emergentes com os quais Portugal mantém laços históricos e culturais, os países da CPLP. Incluir nos indicadores de internacionalização a autoria conjunta de trabalhos científicos por investigadores destes espaços científicos.

Pergunto: a FCT tem seguido estas recomendações? Como entender o esquecimento acintoso de investigadores de língua latina no painel de Ciências da Comunicação? Que avaliação podem fazer das Ciências da Comunicação investigadores de comunidades científicas completamente alheias ao trabalho científico realizado pelos investigadores portugueses?