Presidente do Técnico diz que “missão é formar engenheiros, não é dar apoio psicológico”, mas anuncia reforço dos serviços

Na sequência de uma manifestação de alunos a pedir uma maior aposta na saúde mental por parte da faculdade, o presidente do Instituto Superior Técnico, Rogério Colaço, aponta que a "missão" da instituição não é dar apoio psicológico. Garante, contudo, que a saúde mental dos estudantes é uma “preocupação” e apresenta medidas, como a contratação de mais um psicólogo para integrar a equipa que dá este apoio

Os alunos do Instituto Superior Técnico podem ter de esperar, “no limite”, até “seis meses” para ter uma consulta de psicologia na faculdade. A informação é confirmada por Rogério Colaço, presidente da instituição de Ensino Superior, numa entrevista ao Expresso, na sequência de uma manifestação em que participaram dezenas de alunos da faculdade, a 24 de junho. Segundo o presidente do Técnico, estiveram presentes “apenas 20 ou 30 alunos”.

Rogério Colaço diz que o tempo de espera "depende da gravidade" da situação", que é avaliada numa "consulta de despistagem" realizada num prazo de "24 horas" após o pedido de ajuda. Se a situação for considerada "grave e de perigo", o profissional de psicologia que fez a avaliação prévia "acompanha a pessoa de imediato ou encaminha-a para o Serviço Nacional de Saúde", podendo também acionar os meios de emergência médica, "como já aconteceu", diz o responsável.

Se não for considerada grave, a consulta — que, na prática, será a primeira — é "reagendada", continua Colaço. O tempo médio de espera entre a consulta de despistagem e a primeira consulta são "90 dias", o que significa que há alunos que "são atendidos em 15 dias, um mês" e outros que podem ter de esperar "até seis meses".

"A NOSSA MISSÃO É FORMAR ENGENHEIROS"

Entre outras alegações, os estudantes queixaram-se da falta de apoio psicológico na faculdade e das "inconcebíveis" listas de espera que existem para ter acesso a consultas de psicologia nos serviços de saúde da faculdade. Rogério Colaço garante que o tempo médio de espera "é um bocadinho inferior ao do Serviço Nacional de Saúde" (SNS) e sublinha que o Técnico "foi a primeira instituição de ensino superior a criar, há 30 anos, um gabinete de apoio psicológico" para alunos, docentes e funcionários.

Seja como for, "não é missão" das faculdades ter núcleos de apoio psicológico. "A nossa missão é formar engenheiros, não é dar apoio psicológico ou médico", diz Rogério Colaço, sublinhando que são "poucas" as faculdades a nível "nacional e internacional" que disponibilizam este serviço.

"A maioria das instituições de ensino superior não têm — e não têm de ter — um serviço de apoio médico ou psicológico", aponta o presidente, sublinhando que o Técnico "não deve ser penalizado por fazer um esforço" para assegurar esta resposta. Segundo um estudo realizado pela Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior (RESAPES), sobre o impacto do confinamento nos serviços de apoio psicológico no Ensino Superior durante a pandemia de covid-19, um "número relevante" de faculdades não disponibilizam serviços de intervenção psicológica aos estudantes.

TÉCNICO REFORÇA SERVIÇOS DE PSICOLOGIA

Assumindo como uma “preocupação” a saúde mental dos alunos, Rogério Colaço adianta que está a ser equacionado um reforço dos serviços de apoio médico e psicológico da faculdade, com a contratação de mais um profissional da área da psicologia. "A faculdade não dispõe de financiamento do Estado ou financiamento adicional para prestar estes serviços e contratar psicólogos, portanto ainda não sei se será possível." Mas dado o "momento em que vivemos, talvez se justifique reforçar a equipa", diz.

Está a ser avaliada, além disso, a hipótese de aumentar as horas de trabalho dos psicólogos que exercem atividade no Técnico, "alguns deles sem contratos a tempo integral". São 13 no total, cinco psicólogos clínicos e os restantes dedicados ao acompanhamento de outras situações, como o baixo rendimento académico.

Em simultâneo, proceder-se-á a uma "reestruturação" dos serviços de apoio médico e psicológico da faculdade, no sentido de "aumentar a sua eficiência e capacidade de resposta", nomeadamente no que diz respeito à marcação de consultas e contacto com os utentes, adianta também Rogério Colaço, explicando que, devido à dimensão da comunidade académica (14 mil pessoas, entre alunos e alunas, pessoal docente e de investigação, e pessoal não docente), se registam alguns constrangimentos. "Há consultas que são marcadas em cima de horas de aulas, o utente não aparece, a consulta fica aberta, é atendida outra pessoa e depois o utente que faltou só volta a ter consulta dali a um, dois meses", explica.

PANDEMIA FEZ AUMENTAR NÍVEIS DE ANSIEDADE

Os alunos que participaram na manifestação que se realizou nas instalações do Técnico, apoiada por 12 núcleos da faculdade — como o Resist (movimento informal de alunos que defende os direitos da comunidade estudantil), Nmath (núcleo de estudantes de matemática), Women in Pysics (estudantes do sexo feminino de engenharia física), NEBIST (engenharia biológica) e NEEGI (engenharia e gestão industrial), entre outros — também denunciaram a existência de problemas "antigos, estruturais e generalizados" como "stress", "esgotamento" e dificuldades em conciliar os estudos com a vida pessoal e outras atividades.

"Com a pandemia, houve mudanças significativas no regime normal de funcionamento da faculdade. Foram três anos muito difíceis para todos nós. Não há como negar isso"

O presidente do Técnico admite um aumento dos "níveis de ansiedade e de preocupação" de alunos e professores, que atribui em grande medida à pandemia de covid-19 e aos vários confinamentos que foram decretados no país e afetaram as rotinas dos estudantes. "Houve mudanças significativas no regime normal de funcionamento da faculdade. Foram três anos muito difíceis para todos nós. Não há como negar isso", refere, lembrando que foram criados "mecanismos de atuação eficazes" para dar resposta a necessidades que surgiram, nomeadamente ao nível do acompanhamento de alunos deslocados, considerados um grupo vulnerável por receberem menos apoio da família. "Desde o início da pandemia foram implementados procedimentos para garantir que a nossa comunidade teria as melhores condições para enfrentar esta situação difícil que todos vivemos."

Rogério Colaço considera que a reforma curricular que entrou em vigor no Técnico este ano letivo — colocando um fim aos mestrados integrados e garantindo maior flexibilidade curricular, nomeadamente através da inscrição em disciplinas noutras faculdades da Universidade de Lisboa — também terá contribuído para o aumento do stress e ansiedade entre a comunidade académica. Nega, contudo, que este novo modelo, designado Novo Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP), tenha sido implementado de forma repentina e sem a participação dos estudantes, como acusaram alunos que participaram na manifestação, em declarações ao Expresso. "Este novo modelo foi preparado durante três anos”, diz o presidente, referindo o papel do Conselho Pedagógico nesse processo, “um órgão que é constituído em partes iguais por professores e estudantes”.

Também contesta as alegações sobre a carga horária dos cursos na faculdade, descrita por dois dos alunos que participaram na manifestação como intensa e "absurda". "A carga horária é elevada, mas é um bocadinho inferior à do ensino secundário. É inferior a 20 horas em média por semana, quando no secundário são cerca de 23 horas." Reconhece, contudo, que a reforma curricular iniciada este ano letivo levou a um aumento da carga horária dos alunos. "Sempre que há uma reestruturação curricular, a carga horária média aumenta. Há cadeiras que recuam de ano ou de semestre, somando-se às restantes disciplinas que já se previa serem lecionadas.” De acordo com o presidente, trata-se de uma situação "inevitável". "A única coisa que posso dizer aos alunos é que para o ano já não será assim."

TAXA DE SUICÍDIO NO TÉCNICO É “COMPARÁVEL” À MÉDIA NACIONAL

O presidente refere ainda não ser verdade "que toda a gente no Técnico conhece algum aluno que se suicidou", como referiu um estudante que participou na manifestação. "A taxa de suicídio do Técnico é comparável, até um bocadinho inferior, à média nacional. O que significa que temos a lamentar um suicídio a cada dois anos."

Também a percentagem de alunos do Técnico que se encontram no nível mais alto de risco para a saúde mental — 17%, segundo o mais recente Inquérito ao Percurso Formativo que é feito anualmente pelo Conselho Pedagógico da Faculdade, apresentando sintomas como cansaço frequente, nervosismo, falta de energia, ansiedade, preocupação constante e irritabilidade — "está em linha, sendo até um bocadinho inferior, à média da população portuguesa em contexto pandémico". "Como uma instituição de grande dimensão, com 12 mil estudantes, o Técnico reflete a realidade do país. E os níveis de ansiedade são o reflexo do tempo em que vivemos."

Estes alunos de risco mais elevado devem ser aconselhados a entrar em contacto com o serviço de aconselhamento psicológico da linha SNS24 ou procurar ajuda junto de outra estrutura do SNS, como recomenda a Ordem dos Psicólogos. Além destes, 42% apresentam algum risco intermédio, ainda segundo o inquérito. Feitas as contas, dá quase 60% de alunos em risco psicossocial, ou seja, mais de metade.

Expresso -  Helena Bento - 12 de julho de 2022