Curso superior português rende menos do que secundário em 12 países da UE

Trabalhadores com o secundário de 12 países ou com o básico de quatro países recebem mais, em média, do que os diplomados portugueses. Numa década, Portugal só subiu salários dos menos qualificados.

Por mais sombrio que pareça o título, impõe-se começar este artigo com uma constatação: mais educação aumenta a probabilidade de emprego; abre a porta a rendimentos mais elevados; e conduz a melhor saúde mental.

São as estatísticas que o dizem. Investigadores da Universidade do Minho (UMinho), da Universidade de Aveiro e da equipa de research da Fundação José Neves (FJN) pegaram no Inquérito Nacional de Saúde 2019 e, com um modelo de equações estruturais, estimaram os seguintes resultados: com um curso superior, temos mais 16% de probabilidade de estarmos empregados face a quem só tem formação secundária; temos um rendimento 45% superior aos que só têm o secundário; e o nível de saúde mental é 0,13 acima dos restantes, numa escala de um a dez.

Mas, quando se muda a página deste diagnóstico, as conclusões são outras: a produtividade cresceu menos do que as qualificações e o rendimento médio líquido da população portuguesa mais qualificada, entre os 18 aos 64, é hoje mais baixo do que há dez anos. Isso acontece porque, na década passada, só os salários mais baixos e dos menos qualificados tiveram um crescimento real, que se deve, em grande medida, ao aumento do salário mínimo e à negociação colectiva.

Entre 2011 e 2019, segundo o INE, quem tinha o ensino básico viu o salário aumentar 5%, ao passo que no escalão com formação secundária o salário recuou 3% e com formação superior houve uma redução salarial de 11%.

Esta realidade estatística é confirmada pelos dados da distribuição de rendimento, que o Eurostat actualizou este mês. Entre 2010 e 2020, o rendimento médio anual dos portugueses que têm formação superior caiu 6,5%. São menos 1422 euros. Ganhavam cerca de 21.900 euros. Passaram a ganhar à volta de 20.500 euros.

Se uma empresa não tem capacidade para pagar um salário mínimo, então talvez não haja grande razão para a sua existência

Carlos Oliveira, co-fundador e presidente executivo da Fundação José Neves

Os que têm o ensino básico viram o rendimento médio subir 11%. São mais 1171 euros. Passaram de 10.270 anuais para 11.441 euros.

E os portugueses com ensino secundário tiveram um aumento de 5%, equivalente a mais 703 euros. Ganhavam 13.513 euros, passaram a receber 14.216 por ano.

Um retrato desolador

Estes valores foram actualizados a 8 de Junho e são expressos em paridade de poder de compra. Permitem por isso comparações internacionais, que dão um retrato ainda mais desolador, porque a posição comparativa piorou na última década.

Em 2010, em Portugal pagava-se o 13.º maior rendimento médio entre licenciados da UE. No entanto, os diplomados portugueses também ganhavam menos do que os luxemburgueses que só tinham o ensino secundário e até menos do que os luxemburgueses e austríacos com o ensino básico.

Uma década depois, Portugal caiu seis posições e paga o 19.º maior rendimento entre licenciados da UE. Os trabalhadores com o secundário em 12 países (Itália, Irlanda, Finlândia, França, Malta, Bélgica, Países Baixos, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Áustria e Luxemburgo) ganham mais do que os nossos licenciados. Bem como os trabalhadores apenas com o ensino básico de quatro países (Finlândia, Países Baixos, Dinamarca e Luxemburgo).

Pode-se olhar para as medianas, para evitar a influência dos valores extremos, que a conclusão é praticamente a mesma. Entre 2010 e 2020, o rendimento mediano anual só subiu para os que têm educação escolar mais baixa.

Já para os cursos superiores, a conclusão é esta: em 2010, metade destes trabalhadores ganhava anualmente menos do que 18.672 euros; dez anos depois, essa metade ganha menos do que 17.893 euros. A mediana baixou 779 euros ao fim de uma década.

Produtividade diverge da educação

Não são estatísticas que ajudem a convencer os jovens a estudar. Ou sequer a ficar no país. É por isso que a leitura do relatório Estado da Nação 2022, patrocinado pela fundação de José Neves – o empresário do Porto que criou a Farfetch – acaba por ser um contributo para o debate nacional lançado pelo primeiro-ministro António Costa quando pediu um “esforço colectivo” para que o país aumente o salário médio em 20% nos próximos quatro anos.

O custo de oportunidade de adiar a entrada no mercado de trabalho para se continuar a estudar deveria ser compensado mais à frente, graças a um salário superior devido à formação acrescida.

O problema é que, como toda a gente diz (incluindo os autores deste estudo), o “aumento dos salários requer maior produtividade” e esta melhora com pessoal mais qualificado. Só que, no caso português, a melhoria da produtividade “não tem acompanhado o ritmo de crescimento das qualificações dos portugueses”.

Por exemplo: Em 2021, 47,5% dos jovens adultos tinham o ensino superior. Trata-se de “um progresso assinalável de 20 pontos percentuais na última década que colocou Portugal acima da média europeia (41,2%)”. Porém, a produtividade por hora trabalhada, em paridade de poder de compra, tem perdido terreno face à média europeia: começou a descer a partir de 2013 (quando era 70,4% da média da UE) até estagnar em 2018 e 2019 (nos 65,9% da média), segundo o Eurostat.

Trabalhar mais? “Não"

Portugal contraria assim o quadro europeu, que mostra uma correlação “clara e forte” entre produtividade e rendimento médio. A solução será trabalhar mais? A resposta é “não”.

“Num país em que já se trabalha um elevado número de horas, uma melhoria de produtividade não advirá de um aumento de horas trabalhadas, mas sim da eficiência desse trabalho e do valor do produto”, argumentam os autores.

Embora se admita que a desaceleração mundial da produtividade possa explicar parte do desempenho português, a “estagnação e o desfasamento face à média europeia deve-se sobretudo a fragilidades internas”.

Não é nada de novo para quem leia análises à economia portuguesa, que destacam sempre o atraso nas qualificações. O mesmo é repetido neste relatório: há 40,5% da população entre os 25 e 64 anos sem o ensino secundário completo; e 47,5% dos patrões nem sequer concluiu o ensino secundário. Aliás, apenas um terço das empresas tem gestores com formação superior, como o PÚBLICO já noticiou.

Carlos Oliveira, co-fundador e presidente executivo da FJN, destaca que “as qualificações dos empregadores contam praticamente o mesmo que as qualificações dos trabalhadores”. E sublinha que há uma “alocação não optimizada das qualificações”.

“Vinte por cento dos licenciados está a fazer trabalhos para os quais não precisavam de licenciatura”, exemplifica. Outras análises já tinham concluído o mesmo: um quarto dos trabalhadores tem qualificações a mais para o emprego que tem.

Emprego cresce nos sectores errados

O relatório da FJN mostra, com base em dados do INE e de um estudo coordenado por Fernando Alexandre, da UMinho, que as actividades imobiliárias e empresariais e o alojamento e restauração foram os dois sectores que, entre 2013 e 2019, mais contribuíram para a criação de emprego (2,21 e 1,52 pontos percentuais, respectivamente).E, no entanto, têm uma produtividade negativa face à média da economia nacional (-0,14 e -0,45, numa escala logarítmica).

“Há emprego que está a ser criado em sectores menos produtivos e nos quais as qualificações destas pessoas não fazem diferença para ganhos de produtividade”, insiste Oliveira. Por outro lado, há emprego em empresas mantidas “artificialmente”, que deveria ser redireccionado.

Oliveira foi secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação no Governo de Pedro Passos Coelho, enquanto Álvaro Santos Pereira foi ministro da Economia. No ano 2000, aos 22 anos criou, com três sócios, em Braga, a empresa MobiComp. Oito anos depois, vendeu-a à Microsoft.

Com base nessa experiência, quis “abrir um parêntesis” na conversa com o PÚBLICO: “Quando há uma empresa que se queixa constantemente que não pode pagar um salário mínimo, devemos provavelmente questionar que papel é que ela tem na sociedade. Porque se não tem capacidade para pagar um salário mínimo, então talvez não haja grande razão para a sua existência e é preferível que deixe de existir, algo que os políticos e governantes têm muita aversão em deixar acontecer. Eles preferem deixá-las viver artificialmente até à eternidade. Seria preferível, a meu ver, ser o Estado a suportar [o desemprego], até porque já ia suportar a empresa de qualquer maneira, mas dando uma grande requalificação às pessoas. Depois, se ali houver, de facto, uma oportunidade de mercado, então vão surgir outras empresas mais eficientes.”

“Já somos dos países que trabalham mais horas. O aumento da produtividade tem mais a ver com inovação, criatividade e melhor gestão”, prossegue. “O grande desafio é estarmos esmagados em cadeias de valor que não dominamos nem estamos na parte de maior valor acrescentado. Há uma desadequação de competências e verifica-se que o desemprego jovem, que vinha a cair, voltou a crescer com a pandemia e ainda não deu a volta. Se formos ver quais são os países onde o ensino básico ou secundário paga melhor do que os cursos superiores de Portugal, são os mesmos que estão no topo da produtividade”, reforça.

Como se chega lá? “O nosso objectivo não é ser prescritivos quanto às soluções, mas sim trazer mais substância ao debate com factos.”

Prémio no rendimento pela educação tem estado a cair

Alanis Morissette, António Damásio, Durão Barroso e António Horta Osório são alguns dos oradores convidados para uma tarde em que se vai falar de salários, produtividade e qualificações – o "triângulo virtuoso" de que o país precisa – e de outros temas como saúde mental, bolsas, formação de adultos (até porque somos o país com a maior disparidade educativa entre gerações na Europa), mobilidade profissional. Incontornável ainda, o impacto da pandemia – os seus "efeitos contidos no mercado de trabalho", mas "profundos e de longo alcance" na educação.

Também se vai falar de metas, como a de levar Portugal do 16.º para o 10.º lugar dos países com maior peso do emprego em sectores tecnológicos e intensivos em conhecimento. O objectivo deve ser o de transformar Portugal numa sociedade do conhecimento e para chegar aí em 2040 é preciso saber onde estamos. 

Este modelo de relatório anual, patrocinado pela Fundação José Neves e apresentado presencialmente e online com caras conhecidas, foi estreado em 2021, com um documento que depois foi considerado "um retrato de um país ameaçado pelo marasmo".

Mostrava que os jovens licenciados tiveram a maior quebra salarial na década passada: 17%. A edição deste ano actualiza esta informação: jovens licenciados viram o salário recuar 15%; entre mestres, a queda foi de 12%; entre os mestres e os doutorados foi de 22% na última década.

São dados como este que abrem a porta a uma das conclusões mais preocupantes: a de que “o efeito da educação no mercado de trabalho para a mesma faixa etária, mas em diferentes períodos do tempo, confirmam que os ganhos salariais associados à educação têm diminuído”.

“Enquanto, para as gerações nascidas nos anos 50, um ano adicional de escolaridade aumentava o salário em 9,1%, para as gerações nascidas nos anos 90, esse valor caiu para quase metade e não ultrapassava os 4,8%”, lê-se neste relatório, que é de acesso público e gratuito.

Como se explica "o decréscimo do prémio de rendimento associado à educação", quando o país já é o que apresenta o sétimo rendimento anual médio líquido mais baixo da União Europeia? "Pode ser explicado pelo forte aumento da população activa com ensino superior verificado na última década, principalmente entre a população mais jovem", sugere a equipa do relatório, que reúne investigadores universitários e pessoal da própria Fundação José Neves

Importa salientar que os ganhos de rendimento associados a maiores qualificações diminuíram em Portugal e noutros países europeus. O problema é que Portugal teve a terceira maior redução nos ganhos conseguidos com uma formação secundária e foi o país de toda a União Europeia que mais viu reduzir os ganhos obtidos com a formação superior.

Victor Ferreira - 21 de Junho de 2022, Público