Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS

REVOGAÇÃO DE ACTO ILEGAL-RESTRIÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS

Processo: 016/19.3BALSB Data do Acórdão: 26-02-2019

Relator: MARIA BENEDITA URBANO

Sumário:

I - O pedido de condenação à revogação de determinados actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade visa um efeito juridicamente inadmissível.

II - O pedido de condenação do Governo/CM e do MS na abstenção da prática de actos de execução dos actos administrativos que decretaram a presente requisição civil não se mostra idóneo a fazer desaparecer a compressão ao exercício do direito à greve que já resultava da prévia imposição de serviços mínimos.

Data de Entrada: 12-02-2019

Recorrente: SINDICATO DEMOCRÁTICO DOS ENFERMEIROS DE PORTUGAL

Recorrido 1: MINISTÉRIO DA SAÚDE E CONSELHO DE MINISTROS

Votação: UNANIMIDADE

  http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c924d252a85e23d8802583ae0038a79f?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 

 (…)

“Apreciação que começará por incidir sobre o pedido principal, o da condenação a revogar os actos administrativos em causa por motivos da sua ilegalidade. E, quanto a ele, cabe reter que, como é por demais sabido, o actual Código de Procedimento Administrativo (CPA – DL n.º 4/2015, de 07.01) distingue entre revogação e anulação dos actos administrativos, a primeira por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e a segunda com fundamento em ilegalidade (cfr. art. 165.º, n.os 1 e 2, do CPA). Isto significa que, à luz do CPA vigente, não é possível a revogação de actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade.

Assim, e olhado o pedido (de condenação a revogar) nos seus precisos e exactos termos, tudo imediatamente indica que ele visa um efeito juridicamente inadmissível.

Não obstante, podemos encarar a dita «revogação» como um modo imperfeito de designar o seu género, isto é, o propósito de que os requeridos sejam condenados a suprimir os actos – por uma forma qualquer, designadamente a da anulação.

Mas, olhado o pedido – de condenação a revogar – nesta perspectiva, a posição do requerente não melhora. Quando são confrontados com actos ilegais, os tribunais administrativos declaram-nos nulos ou anulam-nos – sendo juridicamente inconcebível que condenem a Administração a fazê-lo.

Portanto, o pedido de que se condene a Administração a revogar (ou suprimir) os actos aqui em causa constitui um modo artificioso de ajustar a pretensão à forma processual utilizada. Mas esse artifício revela-se fatal para o requerente, já que o pedido assim formulado discrepa das determinações típicas que os tribunais podem dirigir à Administração.

Quanto ao pedido subsidiário, o da intimação para a adopção de uma conduta negativa, in casu, para impor ao Governo/CM e à MS se abstenham de quaisquer actos de execução dos actos administrativos impugnados, torna-se igualmente necessário averiguar se o mesmo deve ou não proceder. Vejamos.

Com este meio processual urgente pretende-se assegurar o exercício em tempo útil de um DLG ou de direito a ele análogo. In casu, trata-se do direito à greve consagrado no artigo 57.º da CRP (um dos DLG dos trabalhadores). O requerente sustenta que, em virtude da ilegalidade da requisição civil – porque não se verificou o incumprimento dos serviços mínimos que justificaria a sua decretação –, foi desrespeitado o direito à greve dos enfermeiros. O que cabe seguidamente questionar é se o pedido subsidiário formulado pelo requerente, a ser atendido, serviria para garantir o tal exercício do direito à greve em tempo útil. Isto significa perguntar, de forma mais concreta, se a imposição judicial dirigida ao CM e à MS no sentido de se absterem de praticar actos de execução dos actos administrativos que decretaram a requisição civil implica a remoção de um obstáculo ao exercício do direito à greve. E a resposta terá de ser negativa. Com efeito, a compressão ao direito à greve é operada pelo Acórdão n.º 1/2019 do Tribunal Arbitral que fixou os serviços mínimos. A portaria ministerial menciona logo no seu artigo 1.º (Objecto), justamente, que “A presente portaria requisita os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E. P. E., no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E. P. E., no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E. P. E., e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E. P. E., que se mostrem necessários para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos definidos no Acórdão n.º 1/2019, de 11 de janeiro, proferido pelo Tribunal Arbitral constituído nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, no seguimento da greve declarada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE)” [negrito nosso].

A requisição civil vem impor que se cumpram os serviços mínimos previamente fixados e que alegadamente não estariam a ser respeitados – o que o requerente contesta. Se a requisição civil fosse considerada ilegal, nem por isso os enfermeiros ficariam desobrigados de cumprir os serviços mínimos – serviços mínimos ‘legitimados’ pela própria CRP (“A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” – cfr. art. 57.º, n.º 3) e pela lei (cfr. arts. 537.º e 538.º da Lei n.º 7/2009, de 12.02, com a última redacção dada pela Lei n.º 14/2018, de 19.03) – o mesmo é dizer, nem por isso deixariam de ter o seu direito à greve comprimido. Apreciação e tratamento distinto poderiam existir se nos presentes autos estivessem em causa, por exemplo, questões disciplinares relacionadas com alegada violação da requisição civil.

Com efeito, poder-se-ia invocar que a ilicitude ou não da requisição civil teria repercussões específicas em matéria disciplinar relativamente aos grevistas acusados de desrespeitar a requisição civil e, portanto, nesssa medida, e de forma indirecta, sempre seria afectado o exercício do direito à greve. Mas a verdade é não está em discussão nestes autos qualquer caso concreto relativo a um ou vários trabalhadores grevistas que não tenham cumprido a requisição civil. E, verdade seja dita, sem isso, nem sequer se poderia dar por verificada a indispensabilidade da “célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa” para efeitos de se “assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia” (cfr. art. 109.º, n.º 1, do CPTA). Pelo que, com uma justificação distinta, sempre se teria de concluir pela improcedência da intimação apresentada.

Portanto, os actos sob análise procedem a uma requisição civil para o cumprimento de serviços mínimos que o Tribunal Arbitral já impusera e cuja exigibilidade o requerente reconhece. Assim, não é na requisição civil, que afinal repetiu o já adquirido, que está a lesão dos interesses defendidos pelo requerente.

Tal lesão poderá dar-se – e, segundo o requerente, ter-se-á dado – no modo como os Conselhos de Administração dos diversos hospitais concretizem o chamamento dos grevistas, possivelmente convertendo os serviços mínimos em serviços máximos. Todavia, esse modo, eventualmente ilegal, de proceder «in concreto» à requisição civil não está nos actos agora «sub specie», mas em condutas administrativas localizadas a jusante deles.

Ora, cumpre mencionar que, estando pressuposta nos pedidos formulados pelo requerente a (ilegal) requisição civil decretada pela resolução e pela portaria governamentais em apreço, não se pode nesta sede apreciar situações relacionadas com hospitais e centros hospitalares que não foram visados pela requisição civil, designadamente aquelas relacionadas com o CHUC ou com o Hospital Amadora-Sintra. (…)