SANÇÃO DISCIPLINAR. MOBBING

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 8 Nov. 2018

Relator: Paula Leal de Carvalho. Processo: 1312/17

Resumo

O envio de e-mails a um trabalhador cujo propósito é perturbá-lo e rebaixá-lo aos olhos dos colegas a quem foi deles dado conhecimento e que é suscetível de o humilhar é caraterizável como mobbing

Na eleição da sanção disciplinar aplicável, tal como na sua graduação, há que atender ao grau de culpa do infrator, se agiu dolosamente, com negligência grave ou leve. Cabe também apurar o valor ofendido e demais circunstâncias atendíveis, de forma a punir diferentemente situações que, parecendo iguais, são, em si mesmas, diferentes. Evita-se assim o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infrações cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas. Dada a exigência de cumprimento estrito dos deveres de lealdade, zelo, diligência e obediência, derivado da importância dos cargos de confiança que a trabalhadora ocupava na estrutura da empregadora, entendeu-se ser adequada e proporcional a sanção de repreensão escrita.

Já quanto ao comportamento da empregadora, entendeu-se que este não se consubstanciava num ou outro ato isolados, mas sim numa sucessão e reiteração quantitativamente intensas de atos, com propósitos ilícitos (humilhação, constrangimento e perturbação). A gravidade dos comportamentos em causa era também intensa, pelo que a situação ultrapassava a da mera conflitualidade, stress laboral, menor urbanidade no trato ou algum "excesso" de autoridade. Bem assim, decidiu o tribunal que o comportamento da empregadora consubstanciava uma situação reiterada de pressão hostil, com propósito censurável e criadora de um ambiente de trabalho igualmente hostil, a qual se mostra enquadrada na figura do mobbing e é, portanto, indemnizável.

JusNet 7768/2018

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

CONTRATO DE TRABALHO - DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO TRABALHADOR - ASSÉDIO MORAL - DANOS NÃO PATRIMONIAIS

Sumário:

I - O trabalhador goza do direito à integridade física e moral (arts. 15º do CT/2009, 25º, nº 1, da CRP e 70º, nº 1, do Cód. Civil), recaindo sobre o empregador as obrigações de lhe proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral, de o respeitar e tratar com urbanidade e probidade e de garantir a segurança e saúde no trabalho do mesmo (art. 127º, nº 1, als. c), a) e g), respectivamente, do CT/2009), devendo ainda, ambas as partes, proceder de boa-fé nos exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações, cabendo, designadamente ao empregador, colaborar na obtenção da promoção humana, profissional e social do trabalhador (art. 126º do CT/2009).

II - No contrato de trabalho, o empregador está investido de um poder de “autoridade” que lhe advém do poder directivo e conformativo da prestação laboral, devendo este, contudo, ser exercido dentro dos limites decorrentes dos referidos princípios, normas e obrigações legais.

III - Pese embora ocorrido num período de tempo relativamente curto (cerca de um mês e meio, até à entrada da A. em situação de baixa médica), consubstancia assédio moral o comportamento do director do Hotel, superior hierárquico da A., esta chefe da receção e assistente de direcção, que, com o intuito de a humilhar, envia a cliente do Hotel email que, segundo o que dele consta, seria destinado à A. e em que, até sem fundamento, censura a conduta profissional desta e, bem assim, que, com o intuito de a perturbar e constranger, envia, com conhecimento a outros colegas de trabalho da A, seis emails censurando também a sua conduta profissional (para além do envio à A. de outros três emails com censuras excessivas e sem fundamento), comportamento esse em consequência do qual a A., não só sentiu vergonha, tristeza, ansiedade, baixa auto estima e teve crises de choro, como também contribuiu para a forte depressão de que padece.

IV - Tais comportamentos violam a dignidade do trabalhador, a sua integridade física/psíquica e moral, bem como os demais deveres referidos em I, tendo um desiderato, não apenas reprovável, como ilícito, na medida em que, com eles, visou o referido director humilhar a A., constrangê-la e perturbá-la, não se consubstanciando num ou outro ato isolados, mas sim numa sucessão e reiteração quantitativamente intensas (tanto mais quanto ocorridos no espaço de um mês e meio) de atos, com propósitos ilícitos (humilhação, constrangimento e perturbação) e que concorreram para a mencionada depressão.

V - Ainda que, porventura e como hipótese de raciocínio, tal comportamento não integrasse a figura do assédio moral, é o mesmo ilícito e causador dos danos não patrimoniais sofridos pela A., concorrendo, ainda que de forma não exclusiva, para a depressão, danos esses que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

VI - No circunstancialismo descrito no caso em apreço mostra-se adequada a indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., de €6.000,00.

(…)

No âmbito do referido Código, as práticas de assédio psicológico, tal como previsto no art. 24º, estavam relacionadas com algum dos fatores previstos no nº 1 do art. 23º. No entanto, a proibição do mobbing, como forma de pressão do trabalhador, designadamente no sentido de o levar à resolução do contrato de trabalho ou à alteração das condições de trabalho, encontrava acolhimento quer no art. 18º, quer na garantia consagrada no art. 122º, al. c).
No âmbito do CT/2009, a matéria em questão continua a ter consagração legal, agora nos arts. 15º, 24º, 25º, 29º[1] e 129º, nº 1, al. c), em termos essencialmente similares, ressalvando-se embora uma diferença, qual seja a maior amplitude, relativamente ao conceito de assédio, que decorre da diferente redação do art. 29º, nº 1, nos termos do qual “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado (…)”. [sublinhado nosso].
Ou seja, ao contrário do que sucedia com o art. 24º, nº 2, do CT/2003, que associava o conceito de assédio à verificação de um fator de discriminação (estes previstos no art. 23º, nº 1), o atual art. 29º, ao introduzir a expressão “nomeadamente”, veio “descolar” a, até então, associação entre o assédio e os fatores discriminatórios, podendo agora o assédio verificar-se em situação em que tais fatores não estejam presentes.
O mobbing constitui fenómeno que tem vindo a vulgarizar-se e que, por isso, tem merecido atenção crescente, designadamente a nível doutrinal.
Tal figura, a que poderão estar subjacentes diferentes razões ou propósitos, poderá manifestar-se por variadas formas ou práticas, designadamente através de comportamentos que, isoladamente, até poderão ser lícitos e parecer insignificantes, mas que poderão ganhar um relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo, consistindo o seu principal mérito na ampliação da tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados, pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projeto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório. De referir, ainda, que a existência de consequências danosas a nível da saúde, física ou psíquica, do trabalhador, não sendo embora indispensável à integração de tal figura, é, no entanto, fator de relevo na indiciação da sua existência – cfr. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pág. 425 e segs. (concretamente pag. 426, 437 e 438).

Várias situações poderão estar subjacentes ao recurso ao mobbing, designadamente o propósito de levar o trabalhador à resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho ou, tão-só, como mera forma de “retaliação” por algum comportamento daquele.

E, como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes do mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação (cfr. Ac. RP de 02.02.09, Proc. 0843819).

Tendo-se embora presente a dificuldade da sua prova, é preciso, no entanto, usar da cautela necessária na apreciação do concreto circunstancialismo de cada caso, sendo certo que nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direção se reconduzem a tal figura.
Sobre o mobbing pronunciou-se, entre outros, o STJ no seu Acórdão de 03.12.2014, in www.dgsi.pt, Processo 712/12.6TTPRT.P1.S1, no qual se refere, para além do mais, o seguinte [omitimos as notas de rodapé]:

“16. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer--se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[8], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.

Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[9].
E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[10], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.
17. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[11]:
Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).
A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4e1d5ab64d051c2b80258384003ee0d9?OpenDocument&Highlight=0,SAN%C3%87%C3%83O,MOBBING