Diário da República n.º 52/2024, Série I de 2024-03-13

Portaria n.º 101/2024/1

FINANÇAS E CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR

Procede à aprovação da fórmula de cálculo do orçamento de referência das instituições de ensino superior.

Portaria n.º 101/2024/1

de 13 de março

O financiamento das instituições de ensino superior, cujas bases estão legalmente estabelecidas pela Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, na redação em vigor (LBFES), prevendo que, em cada ano económico, pelos montantes fixados na Lei do Orçamento do Estado, é financiado o orçamento de funcionamento base das instituições de ensino superior públicas (IES), indexado a um orçamento de referência, em receitas de impostos, com dotações calculadas de acordo com uma fórmula baseada em critérios objetivos.

Desde a entrada em vigor da LBFES, foram emitidas sucessivamente as Portarias n.os 1174/2003, de 6 de outubro, e 147/2005, de 19 de janeiro, que aprovaram as fórmulas a aplicar em 2004 e 2005, respetivamente. Em 2006, através da Portaria n.º 231/2006, de 18 de janeiro (2.ª série), que a presente portaria substitui, foi aprovada a fórmula de cálculo do orçamento de referência para financiamento das instituições de ensino superior, fórmula que teve aplicações anuais até ao final dessa década.

Ultrapassado o período de ajustamento do início da década passada, desde 2016 o financiamento tem-se regido por um quadro de confiança e previsibilidade, em virtude da assinatura de dois contratos de legislatura pelos XXI e XXII Governos Constitucionais, com vigência, respetivamente, para os períodos 2016-2019 e 2020-2023. A experiência dos dois contratos de legislatura permitiu reforçar a autonomia das IES, promover a diversificação das fontes de financiamento e contribuir para o desenvolvimento institucional e para a participação concertada destas instituições nas medidas de política pública, no âmbito do ensino superior e da ciência.

Não obstante a vigência do Contrato de Legislatura 2020-2023, em 2020, foi promovida junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) a realização por esta de um estudo sobre os recursos do ensino superior em Portugal, com vista a ter uma análise interna da realidade portuguesa e, bem assim, uma análise comparativa internacional e das evidências recolhidas nos vários Estados-membros. Assim, em dezembro de 2022, foi apresentado o relatório Resourcing Higher Education in Portugal da OCDE, que analisou o modelo de financiamento do ensino superior nacional e inclui um conjunto extenso de recomendações, constituindo-se num elemento essencial para a revisão do modelo de financiamento do ensino superior vigente, tendo a discussão e participação das IES e suas estruturas representativas sido calendarizada de forma a que a sua conclusão fosse concluída a tempo da preparação do Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024, já com um novo modelo de financiamento do ensino superior.

Este novo modelo de financiamento, a ser introduzido de forma progressiva ao longo de quatro anos e prevendo o apoio às instituições de ensino superior que necessitem de maior reestruturação, tem como componente principal as dotações do orçamento de funcionamento base, em receitas de impostos, calculadas através da fórmula de financiamento aprovada pela presente portaria, sem prejuízo de outras componentes como a contratualização - em particular através de contratos de estabilidade e de contratos-programa de desenvolvimento - ou o apoio à ação social, designadamente através de indicadores de atividade nos apoios efetivos aos estudantes.

O modelo procura promover a eficiência, eficácia e qualidade do desempenho das IES, num quadro de estabilidade e previsibilidade do financiamento. Além disso, o modelo procura ser claro face aos objetivos de política pública que visa promover, privilegiando a alocação de financiamento através duma fórmula simples e transparente. Assim, o modelo combina uma componente com indicadores de atividade com impacto no financiamento e permite incorporar, progressivamente, uma componente com indicadores de desempenho. O modelo inclui ainda uma componente de estabilização, por forma a atenuar as variações anuais e dar maior previsibilidade ao financiamento de cada IES.

Ainda que se verifiquem atualmente fortes limitações dos dados disponíveis na componente de desempenho, uma vez que os existentes não permitem cobrir adequadamente as várias dimensões estratégicas do desenvolvimento do sistema, o novo modelo de financiamento sem deixar de acomodar já tal componente, prevê que sejam desenvolvidos indicadores de desempenho multidimensionais, conjuntamente pelo Governo e as instituições de ensino superior, e suas estruturas representativas, no quadriénio 2024-2027. Tal desenvolvimento de indicadores mobilizará os vários órgãos de governo das IES e as comunidades institucionais, nos seus vários corpos, que terão oportunidade de contribuir para a reflexão interna institucional acerca das dimensões e indicadores prioritários de cada IES; escolhidos tais indicadores, prevê-se uma monitorização e divulgação pública do desempenho de todo o sistema, robustecendo-se, simultaneamente, os mecanismos de recolha e validação dos dados, permitindo assim que, pelo menos após 2027, haja condições sistémicas e institucionais para a introdução progressiva da dimensão de desempenho na fórmula de forma vinculativa para o financiamento de cada IES.

Neste contexto, a fórmula de financiamento que ora se aprova visa contribuir para financiar a prossecução de todas as missões do ensino superior, privilegiando a missão ensino no cômputo do nível do orçamento de funcionamento base de cada IES, mas sem deixar de apoiar a capacidade institucional nas diferentes áreas das suas missões.

Por razões operacionais, o cálculo do financiamento de cada instituição de ensino superior toma como referência o número de estudantes inscritos ponderados de acordo com as suas áreas de formação, como melhor indicador-síntese que incorpora as várias dimensões relevantes para efeitos de financiamento-base do funcionamento das IES, representando uma relação direta, via recursos humanos (docentes e não docentes), com os custos relativos das atividades associadas às diferentes áreas de missão e, em especial, com o ensino e a investigação. A autonomia e flexibilidade necessárias para que as IES tomem decisões quanto à melhor aplicação do financiamento que lhes é afeto são asseguradas pela consagração do princípio de financiamento por "orçamento-envelope", que vigora desde 1986, e que melhor traduz a garantia constitucional da sua autonomia.

Quanto às formações a considerar, o modelo releva todas as formações consideradas estruturantes no sistema de ensino superior português que não sejam financiadas por outras fontes de financiamento. Deste modo, o modelo mantém o financiamento das formações que já eram cobertas pela fórmula anteriormente vigente - ciclos de estudos conducentes à obtenção dos graus de licenciado e de mestre -, preconizando a progressiva inclusão dos cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP) face ao papel crescentemente relevante destas formações para o alargamento do acesso ao ensino superior e para a qualificação da população portuguesa; no que se refere aos ciclos de estudos conducentes à obtenção do grau de doutor, a nova fórmula passa a contabilizar estes estudantes, como forma de valorizar a formação avançada e a missão de investigação das IES, situação já contemplada no ano de 2024.

Em relação às áreas de formação, opta-se por uma abordagem de ponderadores que contemple proporcionalidade entre áreas disciplinares. Em termos comparativos internacionais, essa proporcionalidade constitui a regra, adotada por vários sistemas de ensino superior europeus, documentada no referido relatório da OCDE. O modelo proposto procura simplificar a classificação das áreas disciplinares, em linha com o padrão europeu, acolhendo recomendação da OCDE nesse sentido: passa-se, assim, de 11 para 4 grupos de áreas disciplinares no subsistema universitário e de 10 para 5 no subsistema politécnico.

O financiamento de cada um destes grupos de áreas disciplinares segue uma regra de proporcionalidade que valoriza mais intensamente as áreas com uma forte componente clínica ou associadas às artes performativas, pela sua intensidade de recursos docentes decorrentes do seu modelo de ensino-aprendizagem-avaliação. Seguidamente é considerado um grande grupo de áreas das artes, ciências e tecnologias com recurso intensivo a laboratórios, equipamentos e recursos docentes, em virtude do modelo prevalecente de ensino-aprendizagem-avaliação. Finalmente, é considerado um grupo de áreas disciplinares sem componente laboratorial ou clínica. A fórmula considera ainda 1 nível intermédio no subsistema universitário e 2 no subsistema politécnico para formações que tenham especificidades que não sejam subsumíveis em algum dos grupos anteriores. A agregação destas áreas e a proporcionalidade de financiamento por estudante em cada uma delas segue proximamente o padrão de outros sistemas de ensino superior europeus. A classificação dos ciclos de estudo por categorias de financiamento far-se-á doravante de acordo com a classificação CITE-F/2013 (CNAEF atualizada para efeitos estatísticos), por forma a minimizar inconsistências e subjetividade que no passado se detetaram na alocação dos mesmos.

No que concerne à diferenciação entre subsistemas, sendo essa a regra nos sistemas binários na Europa, tal diferenciação justifica-se pelas diferenças nos modelos de ensino-aprendizagem, no perfil docente e respetivos custos, e nas diferenças nos perfis e missões institucionais. Reconhecendo, todavia, que ao longo da última década e meia houve uma aproximação do perfil dos docentes entre subsistemas, o novo modelo, embora mantendo a diferenciação, procede a uma redução dessas diferenças comparativamente com a realidade europeia.

O novo modelo elimina a diferenciação entre ciclos conducentes à atribuição de graus, revalorizando-se a formação inicial em termos relativos face à formação de segundo ciclo, em linha com os objetivos de qualidade e inovação no ensino superior, e sinalizando-se a necessidade de promover uma maior racionalização da oferta de mestrados e da sua escala de funcionamento. De qualquer modo, atendendo à flexibilidade de gestão da dotação pelas IES, caber-lhes-á a opção de repercutir ou não internamente esta aproximação dos níveis de financiamento dos diferentes ciclos de estudo - autonomia que resulta da aplicação do referido princípio de "orçamento-envelope".

No que diz respeito aos estudantes em formações CTeSP, o financiamento segue as respetivas áreas de ensino e formação, embora com um financiamento proporcionalmente mais baixo, atendendo ao perfil docente e ao modelo de ensino-aprendizagem-avaliação destas formações. A fórmula diferencia os cursos CTeSP de acordo com a sua área disciplinar, por forma a refletir diferenças nos equipamentos e outros custos necessários ao desenvolvimento de formações em determinadas áreas disciplinares. Os estudantes inscritos nestas formações não são, para já, contabilizados no cálculo da distribuição das dotações de cada IES, por forma a evitar problemas de duplo financiamento, atendendo a que uma parte significativa destas formações se encontra a ser financiada através de fundos europeus. No entanto, o modelo prevê, desde já, os ponderadores a atribuir a estes cursos, correspondendo a dois terços do ponderador dos cursos conferentes de grau das mesmas áreas de educação e formação, assim permitindo contabilizar estes estudantes na fórmula, logo que tal seja adequado, garantindo a continuidade destes cursos.

No caso dos estudantes inscritos apenas em estágio final, trabalho de projeto e dissertação (ETD), os ponderadores correspondem a 50 % do ponderador da área em que se insere a formação em causa, por se considerar que os recursos requeridos por estes estudantes não correspondem aos de estudantes que se encontram a frequentar o ciclo de estudos e que estão inscritos a todas as unidades curriculares correspondentes a cada ano do mesmo.

A fórmula que a presente portaria aprova aplica também, exclusivamente para efeitos de financiamento, o regime de prescrições previsto no artigo 5.º da LBFES e respetiva tabela anexa, concretizando assim, desde já, a dimensão de eficiência formativa e de eficácia no uso dos recursos públicos.

Prevê-se, finalmente, um período transitório, entre 2024 e 2027, período no qual uma parte correspondente a 70 % da dotação-base global é distribuída por todas as IES com base na aplicação da nova fórmula e o remanescente (30 %) é distribuído pelas IES cuja dotação histórica seja inferior à dotação de referência proporcionalmente ao seu peso no desequilíbrio.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, na redação em vigor, ouvidos o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, as IES e as associações académicas e de estudantes:

Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças e pela Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o seguinte:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º

Objeto

1 - A presente portaria aprova a fórmula de cálculo do orçamento de referências das instituições de ensino superior, bem como as regras necessárias para o seu cálculo e aplicação, nos termos dos n.os 1 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, na redação em vigor, Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior (LBFES).

2 - A presente portaria estabelece ainda uma metodologia de convergência.

3 - A fórmula e metodologia referidas nos números anteriores aplicam-se à distribuição do plafond atribuído, em receitas de impostos, às instituições de ensino superior, no respetivo programa orçamental, reafetando as dotações iniciais entre as próprias instituições de ensino superior, no âmbito da preparação do orçamento do Estado de cada ano económico.

Artigo 2.º

Definições

1 - Para os efeitos da presente portaria, entende-se por:

a) "Ano orçamental", o ano civil a que se refere a proposta de lei do orçamento do Estado em preparação;

b) "Ano económico anterior(es)", o(s) ano(s) civil(s) imediatamente anterior(es) ao ano orçamental;

c) "Instituições de ensino superior", IES, as instituições de ensino superior públicas, incluindo as suas unidades orgânicas e estruturas específicas, com exceção da Universidade Aberta e das instituições de ensino superior militar e policial;

d) "Estudantes inscritos", o número de estudantes, no último ano letivo com dados oficiais publicados pela autoridade estatística nacional, ou na entidade com competência por esta delegada, no momento de preparação da proposta de lei do orçamento do Estado do ano orçamental, matriculados e inscritos:

i) Em ciclos de estudos conducentes aos graus de licenciado, mestre ou doutor, com aplicação dos limites previstos na Tabela Anexa à Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, na redação em vigor;

ii) Em cursos técnicos superiores profissionais;

iii) Em cursos preparatórios de licenciatura e mestrado (integrado);

iv) Administrativamente apenas em estágio final, trabalho de projeto e dissertação (ETD), neste caso contabilizando apenas 0,5 por cada estudante;

e) "Área de ensino", a classificação CNAEF do ciclo de estudos, na versão em vigor no sistema estatístico nacional - CITE-F/2013;

f) "Ponderador", o indicador-síntese que varia consoante o subsistema de ensino e a área de ensino;

g) "Estudantes ponderados de um ciclo de estudos", o produto do número de inscritos em um ciclo de estudos pelo ponderador desse mesmo ciclo de estudos, conforme o anexo I à presente portaria;

h) "Estudantes ponderados de uma instituição de ensino superior", a soma dos estudantes ponderados de todos os ciclos de estudos de uma instituição de ensino superior;

i) "Dotação total do orçamento de funcionamento base", a soma das dotações do orçamento de funcionamento base de todas as instituições de ensino superior no ano económico anterior, acrescida da variação da dotação total a aplicar no ano orçamental;

j) "Dotação de referência", a soma dos valores correspondentes às componentes de estabilização, de desempenho e de atividade;

k) "Peso relativo histórico", o quociente entre a média das dotações do orçamento de funcionamento base de cada instituição de ensino superior nos três anos económicos anteriores e a soma das médias das dotações do orçamento de funcionamento base de todas as instituições de ensino superior no mesmo período;

l) "Peso relativo da dotação de referência", o quociente entre a dotação de referência de uma determinada instituição de ensino superior e a soma das dotações de referência de todas as instituições de ensino superior;

m) "Peso relativo em estudantes ponderados", o quociente entre os estudantes ponderados de uma instituição de ensino superior e a soma dos estudantes ponderados de todas as instituições de ensino superior;

n) "Peso relativo do desequilíbrio", apurada que seja uma diferença positiva entre a dotação do ano económico anterior e a dotação de referência do ano orçamental de uma instituição de ensino superior, o quociente entre essa diferença e a soma de todas essas diferenças positivas que se verifiquem em todas as instituições de ensino superior;

o) "Peso relativo da distorção", apurada que seja uma diferença negativa entre a dotação do ano económico anterior e a dotação de referência do ano orçamental de uma instituição de ensino superior, o quociente entre essa diferença e a soma de todas essas diferenças negativas que se verifiquem em todas as instituições de ensino superior.

2 - Não são contabilizados como estudantes inscritos, a que se refere a alínea d) do número anterior, os estudantes matriculados e ou inscritos:

a) Em ciclos de estudos conducentes aos graus de licenciado, mestre ou doutor cujo número de inscrições ultrapassa os limites previstos na tabela anexa à Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, na redação em vigor;

b) Em especializações pós-licenciatura;

c) Em pós-graduações;

d) Em outros cursos e formações ministrados em instituições de ensino superior.

CAPÍTULO II

FÓRMULA DO ORÇAMENTO DE FUNCIONAMENTO BASE

Artigo 3.º

Dotação de referência

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 8.º, a dotação do orçamento de funcionamento base de cada instituição de ensino superior corresponde à dotação de referência.

2 - As operações para o cálculo da dotação de referência constam do anexo II à presente portaria.